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domingo, 19 de junho de 2016


                                         NINGUEM MATOU SUHURA
O senhor administrador acaba de abotoar o último botão do safari cor de amêndoa. A imagem que o espelho lhe devolve não lhe desagrada […]. Sente-se em perfeita forma quanto ao seu aspecto físico. Além disso, tem plena consciência da auréola que o envolve devido à elevada posição que ocupa na Ilha, onde é simultaneamente Administrador de Distrito e Presidente da Câmara. […]
Na sala de jantar o senhor administrador toma o pequeno-almoço, aguarda-o o velho Assane. Impecavelmente fardado de branco, afasta-lhe a cadeira para se sentar e serve-o em silêncio com gestos sóbrios e precisos. […]
Sorri intimamente à perspectiva da aventura desta tarde. Não é a primeira nem será a última. Sente-se ainda jovem e com direito a procurar fora do lar a satisfação de necessidades que considera legítimas. […]
A macuazinha que o espera esta tarde, conheceu-a na rua do celeiro. Passeava ele de riquexó numa tarde quente e a rapariga caminhava à sua frente com duas companheiras, em direcção ao merca de peixe. De repente, num movimento breve e ocasional ela olhou para trás a rir. E a impressão que nesse instante o seu rosto causou ao senhor administrador jamais ele a soube definir.
Na semipenumbra do seu quarto e abafado, Suhura acorda sorrindo ao novo dia que desponta. Contudo, não tem qualquer motivo para sorrir. Aos quinze anos é analfabeta, órfã de pai e mãe extremamente pobre. Além disso, vai morrer antes de o dia findar.
São cinco horas da manhã. Porém a luz do dia já penetra a jorros iluminando cruamente o quarto de mataca carcomida e tecto sem forro, onde se atracavam a quitanda de Suhura, uma velha mala de latão assente sobre quatro pedregulhos, e a quitanda da avó. […]
A atitude insólida da avó deixa a rapariga confusa e sem vontade de se ocupar das suas tarefas diárias. Mesmo assim, em pouco tempo varre e limpa o minúsculo quintal e a palhota que e também pequena e quase desprovida de moveis. Em seguida, […]. Dos quintais chegam vozes abafadas de mulheres. Crianças nuas, de ventres inchados brincam à soleira das portas escancaradas das palhotas. De vez em quando, uma fila de patos marrecos atravessa as ruelas de repente deixando atrás de si um rasto de fezes.
Seis vezes tem ela que fazer o percurso que separa a palhota do fontenário. Deita-se depois, exausta, no meio do quintal. Não se movem, a não ser para de vez em quando enxotar as moscas que zumbem encarniçadas á sua volta. […] Não consegue afastar do pensamento imagem da avó fitando-a em silêncio e carregando penosamente o quitundo dos mucates. […]
No fim dia, o senhor administrador não pode reprimir um gesto de contrariedade quando, ao abrir a porta do quarto onde se encontra Suhura, depara com ela de pé e completamente vestida. Também lhe desagrada o medo tão patente nos olhos da rapariga. – mas esta gaja está mesmo morta de susto! – pensa ele enquanto se despe. […] Como se aguardasse apenas tal convite para agir. Suhura precipita-se para a porta e o senhor administrador quase não chega a tempo de impedir-lhe a fuga. Com uma calma que está longe de sentir, fecha a porta e vai pôr a chave no bolso das suas calças.
Suhura sente agora que não pode tolerar qualquer contacto físico com este desconhecido que avança para ela, com o ventre a tremer, e procura fugir-lhe a todo custo. Trava-se então uma luta surda e feroz que o desejo cego do senhor administrador e desespero da rapariga prolongam até à exaustão vence o mais forte. Num breve instante, o homem e a rapariga encaram-se de frente.
Mas a verdade é que Suhura recusara ser possuída pelo ilustre e este tentando forçar a menor a manter relações sexuais com sigo, terá entrado numa furiosa e estúpida agitação que terá causado a morte da Suhura. O corpo inerte conserva uma obstinada atitude de recusa e uma flor de sangue contorna-lhe as magras coxas. […]
Para além de um irritado espanto, o senhor administrador sente apenas uma estranha curiosidade em conhecer a causa desta morte: teria violentado a rapariga de tal modo que provocasse uma hemorragia fatal? Ou, no meio da sua estúpida agitação, teria ela própria batido com a nuca na cabeceira da cama? Ou morrera de puro susto?

BY=INOQUI CARLITOS,CHRISTIANO J.P.MUIBO

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